segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Conselho de Contabilidade critica regra que obriga a fazer 2 balanços

Extraído do Valor Online - Publicado pela Fencon (19/09/2013

O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) considera um “retrocesso” a decisão da Receita Federal de obrigar as empresas brasileiras a ter duas contabilidades completas paralelas, uma societária e outra fiscal.

O posicionamento consta de comunicado assinado pelo presidente da entidade, Juarez Domingos Carneiro, divulgado há pouco.

A necessidade de se fazer, a partir de 2014, a Escrituração Contábil Fiscal, que será o novo balanço, de acordo com as regras contábeis vigentes até 2007, consta da Instrução Normativa 1.397 da Receita, publicada ontem no Diário Oficial da União.

No comunicado de hoje, o presidente do CFC pede a reabertura do diálogo com a Receita “para completo reestudo do conteúdo da Instrução Normativa, principalmente quanto às obrigações acessórias desnecessariamente adicionadas”.

Ao Valor, Carneiro chamou atenção para a surpresa com a publicação da IN, já que nos últimos anos tem havido um diálogo das empresas e dos contadores com a Receita, principalmente no âmbito do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), em que o órgão governamental participa como ouvinte.

Para o CFC, a necessidade de se entregar um balanço completo adicional cria um enorme ônus para as empresas, sem que haja benefícios em troca.

O órgão regulador da profissão de contabilidade também faz um alerta sobre a crescente “insegurança jurídica” caso o Fisco queira aplicar retroativamente (de 2008 a 2013) o entendimento explicitado na IN 1.379 sobre distribuição isenta de dividendos e sobre o pagamento de juros sobre capital próprio.

No documento, o Fisco deixa claro que só será isenta a distribuição de dividendos feita com base no “lucro fiscal”, apurado conforme legislação vigente até 2007, e não o lucro apurado no IFRS, como muitos entenderam que seria e alguns vinham distribuindo desde 2008.

A Receita Federal também diz que a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio será calculada pela incidência da Taxa de Juros de Longo Prazo sobre o “patrimônio líquido fiscal”, e não sobre o patrimônio contábil ajustado pela conta de ajustes de avaliação patrimonial, como prevê a Lei 11.941, que instituiu o Regime Tributário de Transição (RTT).

Receita aperta cerco à distribuição de lucro

Fonte: Folha de São Paulo - Publicado na Fenacon (19/09/2013)

Nova instrução obriga cerca de 600 empresas abertas a fazerem duas prestações de contas: ao mercado e ao fisco

Medida é retroativa a 2008 e pode levar a autuação de companhia que recolheu menos impostos e tributos

TONI SCIARRETTA

A Receita Federal fechou o cerco às empresas abertas no momento de apurar e de distribuir lucro aos acionistas, acabando com uma zona cinzenta que permitia a determinadas companhias recolherem menos impostos e contribuições sociais.

A distribuição de dividendos e de juros, além das demais prestações de contas ao fisco, deverá ser feita de acordo com as regras contábeis vigentes até 2007 e não pelas normas internacionais conhecidas como IFRS (Padrão Financeiro Internacional de Divulgação de Resultado), que o país adotou a partir de 2008.

Em tese, isso obriga as empresas abertas a fazerem dois balanços: um societário, de acordo com as regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários); e outro, específico, para a Receita Federal.

Na prática, isso já acontecia porque a adoção da contabilidade pelo IFRS não teve impacto para finalidade tributária.

A nova instrução da Receita tem dois efeitos práticos.
Primeiro, reitera que o fisco recolhe impostos e tributos segundo a contabilidade antiga. Portanto, as empresas optantes pelo IFRS (nos dois primeiros anos, a adoção era opcional) que não fizeram o recolhimento correto estão sujeitas, retroativamente, a autuação da Receita.

Segundo, cria a partir de 2014 o chamado ECF (Escrituração para Fins Fiscais), um documento obrigatório entregue à Receita Federal para complementar as informações da declaração de Imposto de Renda das empresas. Essa escrituração substitui a FCont, criada em 2009 para conciliar as demonstrações contábeis àquelas exigidas pelo fisco.

Segundo Claudia Pimentel, coordenadora de tributação substituta da Receita Federal, a medida impacta cerca de 600 empresas, que poderão ser autuadas caso tenham recolhido menos Imposto de Renda, CSLL e PIS/Cofins no período. A Receita não soube calcular o montante.

Para o tributarista Ricardo Braghini, do Brasil Salomão e Matthes, o maior impacto da medida será na conta de Juros sobre Capital Próprio, parte do que as empresas distribuem aos acionistas com base na contabilidade do patrimônio líquido. "Há diferença para chegar ao patrimônio líquido societário e fiscal."

"A novidade é a normatização de uma discussão paralela que existia com a Receita Federal sobre a isenção ao lucro que pode ser distribuído para a empresa", disse Richard Edward Dotoli, tributarista do Siqueira Castro.

Em um dos seus artigos mais polêmicos, a instrução estabelece que a isenção de impostos sobre os dividendos vale apenas para os lucros apurados segundo os critérios vigentes até 31 de dezembro de 2007. O montante eventualmente excedente passaria a ser tributado.

A Receita sugere que os acionistas tenham que segregar o dividendos recebido nos últimos cinco anos pelos dois modelos para então recolher IR sobre a diferença.

CVM abre audiência para revisar pronunciamento contábil

Fonte: Agência Estado
RIO DE JANEIRO - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), junto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), submete a audiência pública uma minuta de deliberação que aprova o Documento de Revisão de Pronunciamentos Técnicos nº 03, referente aos Pronunciamentos CPC 01 (R1), CPC 02 (R2), CPC 03 (R2), CPC 04 (R1), CPC 05 (R1), CPC 06 (R1), CPC 07 (R1), CPC 10 (R1), CPC 11, CPC 15 (R1), CPC 16, CPC 19 (R2), CPC 21 (R1), CPC 23, CPC 24, CPC 26 (R1), CPC 27, CPC 28, CPC 29, CPC 31, CPC 32, CPC 36 (R3), CPC 37 (R1), CPC 38, CPC 39 e CPC 41 emitidos pelo CPC.
Segundo a CVM, há o compromisso de revisar todos os documentos já emitidos para que estejam totalmente convergentes às normas internacionais de contabilidade do International Accounting Standards Board (IASB). O processo de convergência das normas contábeis brasileiras às normas contábeis internacionais atualmente se concentra na análise dos documentos que estão em discussão no cenário contábil mundial e nos ajustes necessários às práticas contábeis brasileiras para que estejam em acordo com as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB.

A necessidade de revisão foi identificada principalmente como consequência da emissão de vários novos pronunciamentos, que trouxeram alterações com reflexos em outros. Algumas atualizações de textos também estão sendo realizadas. As sugestões e comentários, por escrito, deverão ser encaminhados até o dia 18 de outubro à Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria da CVM.

Receita e IFRS: novela que não acaba



O governo federal vem dando cada vez mais sinais de que não sabe como lidar com o processo de convergência dos padrões contábeis brasileiros aos internacionalmente praticados, propostos pelo IASB, por meio dos famosos "IFRSs", que, aliás, é da máxima importância para a economia brasileira.
Como vem se noticiando, a "nova" contabilidade dá lugar a um sem número de mudanças
nos registros contábeis, afetando, dentre outras coisas, tanto as contas patrimoniais quanto as de resultado.
Dado que no sistema jurídico brasileiro uma série de tributos tem a sua apuração baseada em informações produzidas originalmente no sistema contábil, destacando-se o IRPJ, a CSL, a contribuição ao PIS e à Cofins, é natural que qualquer mudança em tal âmbito afete aquele procedimento, seja para o bem, seja para o mal.
A Receita, conhecida como o órgão mais eficiente da administração, cometeu equívoco no trato desse tema
Provavelmente, por isso, para não perder o bonde da história, enquanto tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei que culminou na edição da Lei nº 11.638, em 2007 - que deu o pontapé inicial no mencionado processo de convergência -, sempre restou registrado que as mencionadas mudanças não poderiam surtir efeitos fiscais, o que de fato acabou contemplado pela lei em causa.
A Lei 11.638 veiculava uma "cláusula de neutralidade" das mudanças contábeis frente às apurações fiscais bastante ampla, cujo único defeito, em nosso pensar, era o fato de ser voltada somente para algumas categorias de contribuintes.
A Receita Federal, porém, não contente com todo o debate que cercou a Lei 11.638 nem com o texto da "cláusula de neutralidade" instituída por esta, manifestou-se em duas oportunidades no sentido de que se algo que não era considerado como receita, mas passou a sê-lo com a "nova" contabilidade, deveria, então, integrar a base de cálculo do IRPJ, causando uma enorme sensação de insegurança no empresariado e nos profissionais que tratam da matéria.
Diante de tal desdobramento, o governo federal reiterou que a convergência da contabilidade brasileira aos padrões internacionais não deveria surtir efeitos, reformando a "cláusula de neutralidade" por meio da Medida Provisória nº 449, de 2008, depois convertida na Lei nº 11.941, de 2009, que passou, então, a valer para todas as pessoas jurídicas e equiparadas, mas com uma abrangência material menor do que a então instituída pela Lei 11.638.
A regra hoje, tal como prevista pela Lei n 11.941, é de "neutralidade" quanto a alterações no regime de reconhecimento de receitas, custos e despesas, não mencionando nada a respeito de contas patrimoniais e outros temas, inexistindo previsão legal para a existência de uma "contabilidade tributária".
Vem sendo noticiado que o governo deseja acabar com o RTT, motivo pelo qual a Receita Federal iniciou uma série de debates com a sociedade civil, a fim de harmonizar as apurações de tributos com os novos padrões contábeis.
No meio desse processo, a Receita encomendou um parecer à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que esta se manifestasse a respeito da amplitude do RTT, mais especificamente se deveria existir também uma contabilidade tributária, que se prestaria a todos efeitos nesta seara - apuração de juros sobre capital próprio, aplicação de isenção na distribuição de lucros ou dividendos, avaliação de investimentos etc.
A procuradoria opinou contrariamente ao que a maior parte das empresas vinha praticando, no sentido de aplicar a neutralidade exclusivamente quanto a mudanças no regime de reconhecimento de receitas, custos e despesas, afirmando que, para fins fiscais, toda a contabilidade deveria ser reconstituída segundo os padrões vigentes em 31 de dezembro de 2007, e, a partir dessa nova versão, atribuídos os efeitos correspondentes; por exemplo, o valor de lucros distribuídos excedente ao quanto apurado na "contabilidade tributária" estaria sujeito à tributação.
Ainda existia a esperança de que a Receita não fosse adotar o posicionamento da procuradoria, sobretudo em função da postura que aquele órgão vinha adotando no trato do tema após o "tropeção" que motivou a criação do RTT. Mas eis que no último dia 16 foi publicada a Instrução Normativa nº 1.397 e isso terminou acontecendo.
Como a Instrução Normativa serve de orientação aos auditores-fiscais nos procedimentos de fiscalização e na lavratura de autos de infração, é grande o receio do empresariado de haver questionamentos quanto aos atos praticados desde a instituição do RTT (são quase cinco anos).
Isso sem falar no aumento expressivo de trabalho com a elaboração de mais uma escrituração - para as empresas do setor elétrico, por exemplo, será a terceira escrituração, somando-se à societária e à regulatória - e do disparate de se exigir que seja feita uma nova escrituração também para as informações de empresas no exterior contraladas ou coligadas por ou de empresas brasileiras, mudando um procedimento há longa data sedimentado, qual seja, de se utilizar o balanço elaborado segundo as regras do país de origem.
A Receita Federal, que é conhecida, justamente, diga-se como o órgão mais eficiente da administração pública, cometeu um grande equívoco no trato desse tema, contribuindo com o aumento do chamado risco Brasil e da apreensão do empresariado e de investidores quanto à estabilidade das regras do jogo, o que se agrava mais ainda pelo fato de a nova orientação carecer de amparo na Lei nº 11.941/09, que regula o RTT.
Renato Nunes é sócio de Nunes e Sawaya Advogados e autor do livro "Tributação e Contabilidade"

Fonte: Extraído do  Valor Econômico

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

IFRS no direito brasileiro


Fonte: Valor Econômico

Postado por: Edison Fernandes

Nos contos de fadas, é comum que os romances sejam construídos com base em choques de culturas. O conflito da trama, então, é a diferença cultural, que pode ser social, financeira, étnica ou de outra natureza.

Veja-se, por exemplo, o caso da “Pequena Sereia”, de Hans Christian Andersen. Nesse belo conto, uma criatura marinha mitológica se apaixona por um ser humano e, com isso, o conflito é instaurado.

Pensar sobre a adoção do padrão internacional de contabilidade, conhecido como "International Financial Reporting Standards" (IFRS), em um país como o Brasil, faz lembrar esses contos de fadas, dado o conflito cultural existente.

O berço dos IFRS é Londres, no contexto do "common law" como sistema jurídico. Tal estrutura jurídica se caracteriza pelo respeito essencial a princípios, aos costumes e à jurisprudência, isto é, as decisões reiteradas das cortes britânicas. A lei escrita não esgota, absolutamente, a regulamentação de determinado assunto.

Por outro lado, o Brasil está inserido no contexto do "civil law", do direito codificado, de origem românica, onde a lei escrita (positiva) desempenha um papel demasiadamente forte na regulação da vida social. Deste lado de baixo do Equador, vigora a legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5°, II da Constituição Federal).

Lanço mão de um exemplo para tentar aclarar o conflito cultural: na prática jurídica brasileira, se determinado dispositivo é retirado do texto legal, naturalmente, vamos entender que esse dispositivo não mais se aplica, portanto, deixaremos de observá-lo. O oposto pode ocorrer na prática jurídica britânica.

E já vivemos esse conflito cultural desde 2008. A Lei das Sociedades por Ações conta com alguns poucos artigos para disciplinar as práticas contábeis brasileiras, enquanto as normas infralegais contam mais de três mil páginas. Dessa forma, é inevitável que parcela significativa das práticas contábeis não esteja disciplinada na lei.

Com o atual Projeto de Código Comercial que tramita no Congresso Nacional esse choque cultural pode se agravar. De acordo com a proposta em análise, todas, isso mesmo, todas as normas contábeis sairão do texto legal, passando a ser disciplinadas única e exclusivamente por textos infralegais.

Ao mesmo tempo, seguindo nossa tradição jurídica de "civil law", os principais direitos societários e contratuais continuarão a ser previstos diretamente na lei formal stricto sensu. Considerando que vários desses direitos tomam por base os registros contábeis (distribuição de lucro, aquisição de controle de empresa, cláusulas de garantia etc.), impõe-se a questão: como compatibilizar os direitos legalmente assegurados e as normas contábeis totalmente delegadas para o nível infralegal?

Alguns choques culturais da adoção dos IFRS chegam a ser caricatos, como o caso do leasing, talvez o exemplo mais marcante: como pode o arrendatário registrar o bem objeto do contrato de leasing como seu ativo se, juridicamente, a propriedade desse mesmo bem é mantida para o arrendador? E se assim é, o referido bem pode ser apresentado como garantia de outra relação comercial do arrendatário?

A questão do leasing, em particular, já foi razoavelmente absorvida, mas outras virão e demandarão uma posição frente à relação entre a lei e a norma contábil infralegal.

Nos contos de fadas, o conflito cultural, geralmente, termina com um “felizes para sempre”, especialmente se a Disney contar a história, como acontece na “Pequena Sereia”, que casa com seu príncipe encantado. Porém, no texto original de Andersen, a sereiazinha, depois de ser abandonada pelo príncipe, vai para o Reino do Ar, uma possível referência à morte.
Edison Fernandes

Professor da Direito GV, o advogado é titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas e membro do Grupo de Estudo sobre Notas Explicativas do CODIM/CPC.