Fonte: Jornal do Comércio
Com grande investimento dos contadores na qualificação profissional, crescem as oportunidades de trabalho, mas reconhecimento vem a longo prazo
Com a edição da lei 11638/2007, em que o País se abriu à convergência das normas internacionais, a profissão contábil deu um salto de qualidade. Tendo como mote principal a maior qualificação profissional e ampliação das oportunidades de trabalho, as ciências contábeis passam por um momento de oportunidades, e ganham um novo status: mais trabalho, mais desafios, mais qualificação. O quanto esse bom momento traz reconhecimento e bons salários?
A busca por mão de obra diferenciada, depois da edição da lei do IFRS, com sua ampliação em 2009, com a resolução 1255, forçou a convergência para pequenas e médias empresas. Mesmo que em um modelo mais sintético, todas as empresas brasileiras, exceto as do Simples Nacional, tiveram que adequar-se às novas normas.
Desde então, todos os contadores que quiserem estar atualizados precisaram estudar mais.
O fato está relacionado com o momento da economia brasileira e sua inserção no mercado internacional. Fatos como a inserção das empresas brasileiras nos mercados externos, os investidores estrangeiros vindo para o Brasil, a quantidade de empresas com ações negociadas nas bolsas de valores dos EUA, da Europa, da Ásia, são algumas evidências de que a contabilidade vai bem, obrigada. Outros aspectos como a quantidade de capital estrangeiro que tem sido investido no Brasil nos últimos anos e as empresas multinacionais aumentando sua atuação no nosso país também são indícios de que bons ventos sopram a favor dos contadores brasileiros.
Uma consequência direta disso é que a quantidade de cursos de qualificação aumentou consideravelmente, muitos dos quais com lotação esgotada e fila de espera. Inúmeras parcerias passaram a ser estabelecidas entre as entidades de classe, universidade e empresas de ensino, com vistas a facilitar a troca de conhecimento e aumentar a disponibilidade de cursos de capacitação profissional. Essa foi inclusive umas das bandeiras de gestão dos novos dirigentes das entidades da categoria do Estado e do País.
Uma evidência disso é o aumento de e-mails diários nos correios eletrônicos dos contadores, informando sobre novos cursos. Segundo a contadora Tanha
Schneider, houve uma multiplicação de empresas de cursos, pois os auditores são obrigados a fazer pontuação de educação continuada e para obter essa pontuação, os cursos têm que passar pela aprovação do conselho. O CRC-RS confirma que muitas empresas novas estão se cadastrando para poder dar os cursos. Apenas no último ano foram 3.607 novos cursos, entre presenciais e virtuais.
Embora a maioria dos profissionais da área esteja “voando” atrás de novos conhecimentos e reciclagem, os maiores interessados pelas mudanças, aqueles que serão afetados diretamente pelo seu impacto - os empresários - ainda não estão cientes da necessidade de adaptação. Isso porque a mudança atinge a todos os setores da empresa, e não apenas à Contabilidade. Com o novo modo de proceder na gestão interna das contas, o contador assume um novo papel que deve ser reconhecido principalmente pela alta gerência. “Os contadores que não estiverem adaptados correm o risco de serem eliminados do mercado”, salienta Tanha.
A mudança vai envolver todos os profissionais da empresa, mas o contador será o responsável pela mudança. Quem defende esta opinião é o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Sérgio Fioravanti, que acredita que a opinião dos contadores será levada em conta, por exemplo, para avaliar novos investimentos.
Um ponto crítico dessa mudança é que, na prática, o contador acaba sendo o condutor e não compartilha esse nível de responsabilidade com os outros profissionais, como os gerentes financeiros, por exemplo, que deveriam envolver-se no processo. “Nós, contadores, temos que fazer o dever de casa, e disseminar esse novo padrão a todo o setor empresarial.”
Prova disso é que até os bancos e entidades financeiras estão rejeitando balanços entregues fora dos padrões internacionais. Isso agrega mais importância ao trabalho do contador. Segundo a contadora Tanha Schneider, o Bndes se juntou ao Iasb (International Accounting standards Board) para difundir esse conhecimento e agora quer contribuir para as empresas adaptaram-se ao novo padrão. Farão isso a partir do lema “treinar treinadores”, ou seja, formar multiplicadores que possam difundir esse novo sistema nas universidades do País.
O trânsito dos profissionais contábeis junto aos órgãos de governo é outro fator que, na opinião de Tanha, evidencia o bom momento da contabilidade. A causa disso é que ele é visto como um veículo de arrecadação. Em outros tempos, o profissional era considerado um mero guarda-livros, mas, segundo ela, hoje a profissão está com um status nunca visto antes. A contadora atribui o fato à aproximação do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) com o atual governo.
Entre os desafios que ainda permanecem para a profissão tornar-se ainda mais sólida, está a autoestima do profissional. Tanha admite que mesmo com o reconhecimento do mercado, muitas vezes o profissional não sabe se valorizar. “O contabilista não consegue vender muito bem os seus serviços. Com o aumento de demandas, os profissionais gastam mais horas, investem mais recursos, então deveria cobrar mais”, diz ela. Quando as situações se tornam mais complexas, é um sinal de novas oportunidades a vista. Uma mudança positiva.
Auditoria é carro-chefe das mudanças
A contabilidade está surfando em uma maré de oportunidades, e o setor de auditoria parece estar na crista da onda. Um dos segmentos que mais vem se destacando, junto à área pública e à consultoria contábil, a auditoria cresceu desde o advento da lei do IFRS, pois muitas empresas que nunca foram auditadas antes passaram a ser. Com a exigência dos órgãos reguladores e a influência das normas, cresceu muito a auditoria tanto em pequenas quanto em grande empresas nos últimos dez anos.
Segundo o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Sérgio Fioravanti, a participação da atividade no segmento contábil tem sido percebida, principalmente, entre as pequenas e médias empresas. Ele afirma que, de uns anos para cá, muitos empresários deram-se conta de que a auditoria não representava custo, mas sim investimento, e que uma empresa bem assessorada por um contador tem mais ferramentas para alcançar sucesso no seu negócio. “Todos nós da categoria estamos sendo bastante demandados, temos nos envolvido muito em transmitir esses novos conhecimentos aos nossos seus clientes”, afirma. No setor, os cursos disponibilizados também têm tido grande procura e lotação máxima.
Fioravanti acredita que a auditoria acaba sendo o carro-chefe dessas mudanças propostas pela lei do IFRS, e que as experiências de empresa internacionais têm ajudado a disseminar esse conhecimento.
O contador entende que esse é um caminho sem volta, e que a mudança, mesmo para os mais conservadores, é uma necessidade decisiva no mercado. “Temos um tempo ainda para fazer isso, mas ele está reduzido diante da quantidade de novas oportunidades”.
O primeiro ponto para introduzir essa mudança, destaca ele, é viabilizar uma contabilidade societária, com resultados efetivos, deixando de focar como prioridade a apuração de impostos. Outro fator primordial é a adoção de uma linguagem única no contexto dos negócios internacionais.
Melhores salários ainda são esperados
O aumento da quantidade de trabalho e da busca pela qualificação, teoricamente, deveria resultar na melhoria nos salários para os profissionais. Na prática, a realidade não é bem assim. Os resultados positivos aparecem, sim, mas nem sempre em forma de remuneração.
A contadora Tanha Scneheider entende que, atualmente, a recompensa está sendo obtida por meio da grande demanda por bons profissionais, que chegam a estar em falta no mercado. “Desde estágios até o alto escalão, há carência de profissionais qualificados, pois os bons estão empregados”, diz. Por consequência disso, ela acredita que o valor do “passe” desses contadores tenha melhorado.
Além do reconhecimento financeiro, a valorização do profissional é um ganho importante. Os empresários conscientes estão enxergando o contabilista de outra forma: não mais como aquele que traz notícias ruins, mas como aquele que pode trazer a imagem real da empresa.
O presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas do Estado do Rio Grande do Sul (Sescon-RS), contador Jaime Gründler Sobrinho, argumenta que o aumento da quantidade de trabalhos no segmento contábil ainda não teve uma correspondência direta em retorno financeiro. A atual remuneração, na opinião dele, não prevê todas as exigências atuais. “Não corresponde à demanda de serviços com as obrigações acessórias, que geram mais trabalho”, afirma. Para ele, deveria haver uma revisão, em decorrência das novas atribuições que surgiram.
Transformar trabalhos em honorários é justamente um dos desafios que a categoria enfrenta na atualidade. Para o contador Antônio Carlos Palácios, a remuneração depende da capacidade individual de cada um. Primeiro, cada profissional precisa se convencer de que este é um caminho sem volta. Depois, ele tem de sentar na frente do empresário e convencê-lo de que o mundo está mudando, a economia também e a contabilidade, por via de consequência, tem que ser feita de outra forma, exigindo profissionais mais qualificados. “Não há bônus sem ônus. Os gastos devem ser encarados não como custos, mas como investimentos em si próprios, para que no futuro tenham condições de produzir mais e melhor.” Para ele, isso inevitavelmente implica maiores honorários. Mas os contadores precisam perder a timidez e aprender a vender a importância de seu trabalho. Não é um caminho fácil.
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