É mais uma facilidade num pacote de bondades que já dava anistia nas multas, redução nos juros e até 180 meses para pagar as dívidas
David Friedlander
Anistia na multa, redução de juros e até 180 meses para pagar. Parece promoção de eletrodomésticos, mas são as regras do "Refis da crise", o atual programa de renegociação de dívidas com a Receita Federal. O conjunto de vantagens já era compensador, a ponto de atrair 561 mil devedores de impostos. Mesmo assim, o programa vai ganhar mais uma facilidade: a primeira parcela da dívida ficou para ser paga no ano que vem.
A Receita ainda não fez a divulgação dessa data, mas ela já está prevista numa circular interna do Fisco à qual o Estado teve acesso. O documento diz que seria necessário um "investimento brutal" em tecnologia para que o Refis funcione do jeito que foi apresentado ao público. Ainda assim, o sistema só ficará pronto no fim do ano. Por isso, a previsão é que o parcelamento das dívidas só comece a ser pago em fevereiro de 2011, no caso das pessoas físicas, e em abril e maio, no caso das empresas.
"Esse ano ou ano e meio é necessário para fazer tudo com muito cuidado e não errar", afirma Marcelo Lins, coordenador-geral de arrecadação e cobrança da Receita. "Colocar no sistema os mais de 560 mil contribuintes que optaram pelo parcelamento exige uma logística maluca, um caminho muito longo."
Carência. Como a adesão ao Refis foi feita em novembro de 2008, na prática os devedores ganharam um ano e cinco meses de carência antes de começar a pagar o que devem. O benefício, no entanto, é imediato. A adesão ao Refis suspende as ações de cobrança da Receita e até processos por sonegação em curso na Justiça. Na iniciativa privada, costuma acontecer o contrário: antes de limpar o nome, é preciso retomar o pagamento.
"Sabendo que o início do parcelamento ia demorar, a gente fez alguns ajustes", afirma Lins, da Receita. "A parcela mínima deste programa já não será tão mínima."
A parcela mínima é uma espécie de taxa que os participantes do Refis precisam pagar todo mês, até que suas dívidas sejam calculadas e o parcelamento comece de fato. Pessoas físicas pagam R$ 50 e as empresas, R$ 100, para cada modalidade (tipo e situação) de débito. Fazendo isso, o devedor mantém a ficha limpa na Receita e na Justiça.
Foi assim que o deputado federal José Tatico (PTB-GO) suspendeu processos por sonegação contra ele na Justiça e cobranças na Receita. Dono de supermercados e fazendas, ele já foi autuado seis vezes pelo Fisco, ficou mais de dez anos sem pagar imposto e deve mais de R$ 260 milhões em tributos. Mas, em novembro do ano passado, Tatico entrou no Refis, passou a pagar R$ 1 mil por mês (ele deve vários impostos)e limpou sua ficha. Mas o pagamento da dívida, a grosso modo algo em torno de R$ 1,4 milhão por mês, só começará em abril de 2011.
"Desse jeito, até eu vou entrar no parcelamento", afirma Pedro Delarue, presidente do Sindifisco Nacional, a entidade que representa os auditores da Receita. "Esses programas punem o bom contribuinte e incentivam o sonegador."
Crise. Lançado no ano passado a pretexto de amenizar a situação de contribuintes afetados pela crise global, o Refis atual é o quarto programa do gênero lançado pelo governo desde 2000. Questionada, a Receita não soube informar se nas vezes anteriores o prazo entre a adesão ao programa e o início do pagamento da dívida foi tão longo quanto nesta edição. Extraoficialmente, auditores envolvidos nos programas anteriores dizem que não, mas também não sabem fornecer detalhes.
De acordo com uma mensagem circular distribuída aos superintendentes da Receita no mês passado, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) não tinha condições de desenvolver um sistema para atender o programa sem investimentos pesados em infraestrutura. A entrega do sistema ficou para o fim do ano porque será preciso montar uma estrutura capaz de comportar um tráfego gigantesco de informações.
Desta vez entraram no programa um recorde de 561 mil devedores, totalizando mais de 1,2 milhão de pedidos de refinanciamento. Desse total, 343 mil são transferências de dívidas que já haviam sido renegociadas nos Refis anteriores. "Parece que há maus pagadores sempre à espera de um novo programa de parcelamento, que acaba vindo mesmo", afirma Paulo Ayres Barreto, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
O Refis em vigor é considerado tão generoso que até empresas saudáveis, como a CSN ou a AmBev, aderiram para limpar o balanço dos provisionamentos feitos em razão de pendências com o Fisco e, assim, aumentar o lucro.
"O sistema tributário brasileiro é muito distorcido", afirma Eurico Marcos Diniz de Santi, professor de direito tributário e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. "O Fisco cria uma legislação confusa, incentiva as empresas a atuar na penumbra, autua e depois dá anistia. Essa engrenagem perversa mostra que já passou da hora de uma reforma tributária."
PARA ENTENDER
"Refis da crise" é o mais generoso de todos
Quarto programa de renegociação de dívidas tributárias lançado pelo governo desde 2000, o chamado "Refis da crise" é considerado o mais generoso de todos. O pacote inclui: abatimento de até 100% nas multas e nos encargos legais, redução de até 45% nos juros, 180 meses para pagar e a primeira parcela só será paga em 2011. Devedores que entraram num dos quatro Refis anteriores, mas não quitaram suas dívidas, podem transferir os débitos para o programa atual. Até novembro do ano passado, quando terminou o prazo de adesão, 561.915 devedores entraram no programa. Este mês eles precisam dizer à Receita Federal se vão refinanciar todos os seus débitos ou se continuarão contestando alguns. Só depois disso será possível saber quanto dinheiro está envolvido nessa história. No total, há hoje R$ 1,3 trilhão em fase de cobrança, na Justiça e na Receita.
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