Como costuma acontecer em medidas provisórias longas que tratam de
matérias tributárias, aos poucos os especialistas acabam encontrando
pequenas surpresas, mais comumente pequenas "maldades", deixadas pela
Receita Federal.
O inciso III do parágrafo 1º do artigo 21 da Medida Provisória nº
627, publicada na terça-feira, se encaixa nessa descrição. O dispositivo
veta o benefício fiscal da dedutibilidade do ágio por expectativa de
rentabilidade futura, quando o pagamento da fusão ou aquisição ocorrer
por meio de troca de ações.
O artigo 21 está lá exatamente para garantir a manutenção do
incentivo fiscal da amortização do ágio, em cinco anos após a
incorporação da empresa adquirida. Mas o inciso citado surge para dizer
que amortização é vedada se "o valor do ágio por rentabilidade futura
(goodwill), relativo à participação societária extinta em decorrência da
incorporação, fusão ou cisão, tiver sido apurado em operação de
substituição de ações ou quotas de participação societária".
Embora seja importante deixar claro que o texto não menciona
aplicação retroativa dessa vedação, dois casos relevantes de fusões do
passado se enquadrariam nesse tipo de transação - a união entre a
BM&F e da Bovespa e do Itaú com o Unibanco.
Talvez não por coincidência, as empresas envolvidas nos dois negócios
sofreram autuações fiscais da Receita Federal - que estão sendo
contestadas e são consideradas pelas companhias como de baixo risco -,
embora com outros argumentos, que não o uso de ações como forma de
pagamento.
Outro ponto relevante da medida provisória sobre ágio é a informação
de que ele será dedutível só quando a operação ocorrer entre "partes não
dependentes".
Para especialistas em tributação, com a MP dizendo isso será possível
usar o argumento de que o Fisco está assumindo que antes era permitido
usar o "ágio interno" para abatimento de tributos a pagar. Ágio interno é
aquele resultante de operação realizada entre empresas do mesmo grupo.
"Não existia vedação antes. Se a MP determina que, a partir de 2014, o
governo permite o uso fiscal do ágio para operações entre partes não
dependentes, significa que até hoje o uso do ágio interno - entre partes
dependentes - é legal", afirma o advogado Diego Aubin Miguita, do
escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli. "Vamos usar a MP nos
processos em andamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) sobre o tema", diz ele.
A maioria dos julgados do Carf sobre o uso do ágio interno para
reduzir o IR e a CSLL a pagar é desfavorável às empresas. "Existem
quatro decisões favoráveis apenas. Agora, há maior esperança de
possibilidade de reversão desse cenário", afirma Miguita, que também
deseja saber como será definida a relação de "dependência" de uma
empresa em relação a outra.
O procurador da Fazenda Nacional no Carf, Paulo Riscado, rechaça a
ideia de que, se a partir de agora o uso do ágio interno é expressamente
vedado, seria porque antes era permitido. "Antes da MP os conceitos de
ágio eram outros e, portanto, para fins de dedução fiscal também vale a
regra antiga que não permite expressamente o uso do ágio interno", diz.
Em coletiva sobre a MP na terça-feira, o secretário da Receita
Federal, Carlos Alberto Barreto, disse que a nova regra de ágio vale
mesmo para as empresas que não optarem por abandonar já em 2014 o Regime
Tributário de Transição (RTT), que deixa de existir a partir de 2015.
Barreto aproveitou para reiterar que o ágio interno continua não
sendo dedutível de tributação - ou seja, na visão dele, a vedação
expressa não traz algo novo.
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