segunda-feira, 27 de julho de 2020

Por dentro da polêmica que levou à derrocada da ScaleFactor

Fonte: https://forbes.com.br/negocios/2020/07/por-dentro-da-polemica-que-levou-a-derrocada-da-scalefactor/

Autor: David Jeans

A ferramenta de contabilidade da empresa era defeituosa e não confiável para classificar as transações com precisão

A contabilidade é um desafio para pequenas empresas. Uma tarefa tediosa que é agravada por despesas caras. A startup de Kurt Rathmann tinha uma correção mágica para esse problema: ferramentas baseadas em inteligência artificial que poderiam substituir o contador e produzir muito mais do que o normal. Por uma fração do custo, a ScaleFactor prometeu cuidar de contabilidade, contas e impostos de seus clientes. Se eles duvidavam da efetividade por algum momento, eram tranquilizados pelos US$ 100 milhões investidos no negócio por grandes empresas de capital de risco. “Por que as noites são para as famílias, não para as finanças”, dizia o site da ScaleFactor.

Sendo assim, alguns fundadores de startups e proprietários de cafés que realmente perdiam as noites fazendo contabilidade contrataram a ScaleFactor, e logo se arrependeram da decisão: eles não receberam por aquilo que pagaram. Em vez de o software produzir demonstrações financeiras, dezenas de contadores fizeram o serviço manualmente da sede da ScaleFactor, em Austin, ou de um escritório terceirizado nas Filipinas, de acordo com ex-funcionários. Alguns clientes dizem que receberam livros cheios de erros e foram forçados a contratar novos contadores ou a limpar a bagunça sozinhos.

Até o mês passado, quando Rathmann anunciou que a ScaleFactor estava fechando, nada disso era conhecido publicamente. Em uma entrevista à Forbes em 23 de junho, o CEO culpou a pandemia de Covid-19 pelo corte pela metade dos US$ 7 milhões em receita recorrente anual da empresa, à medida que a demanda de pequenas empresas desmoronava. Cerca de 100 pessoas seriam demitidas com três meses de indenização e o dinheiro seria devolvido aos investidores –um fim aparentemente organizado para mais uma startup afetada pela pandemia.
Os clientes foram os primeiros a se pronunciar. “Se você é um dos investidores que deu a esses palhaços US$ 100 milhões deve saber que eles jogaram tudo no vaso sanitário com produtos e serviços ruins”, escreveu Lindsey Reinders, cliente da ScaleFactor, após ver as notícias. “Covid-19 é apenas um bode expiatório conveniente.”
Embora a pandemia possa ter sido uma sentença de morte, a ScaleFactor enfrentava dificuldade muito antes disso, descobriu a Forbes. As startups de tecnologia costumam ser recompensadas por uma mentalidade de “finja até conseguir alcançar o que deseja” por empresas de capital de risco dispostas a jogar dinheiro em um produto até que ele atenda às expectativas. Mas a ScaleFactor usou táticas de vendas agressivas e priorizou a busca de capital em vez de criar softwares que atendessem o prometido, de acordo com entrevistas com 15 ex-funcionários e executivos. Quando os clientes fugiram, os executivos tentaram ocultar os danos reais.
Ao longo do caminho, grandes representantes de venture capital, incluindo a Bessemer Venture Partners, com sede em São Francisco, a Canaan Partners, de Menlo Park, e a Coatue Management, de Nova York, continuaram investindo mais dinheiro no negócio, obrigando a ScaleFactor a continuar crescendo com um produto de software que proclamava substituir contadores, mas dependia deles o tempo todo.
“Descobri o que a ScaleFactor é: praticamente uma firma de contabilidade glorificada”, diz um contador que, como outros ex-funcionários que conversaram com a Forbes, pediu para não ser identificado porque assinou acordos de confidencialidade e temia retaliação da empresa.
O processo típico de contabilidade envolve consultas completas para entender as nuances das finanças de uma empresa; por exemplo, se uma compra da Amazon é considerada uma despesa ou pagamento de fatura. Os erros nesse processo podem levar ao duplo pagamento de contas ou ao não pagamento, resultando em um desastre.
A empresa prometeu digitalizar esse processo com um painel centralizado em cinco principais ferramentas automatizadas: contabilidade, previsão financeira, pagamento de contas, conclusão de impostos e folha de pagamento. Os clientes precisavam entregar a documentação, os recibos e as informações de login do software de vendas.
Para sua principal ferramenta de contabilidade, a ScaleFactor disse aos clientes que, após uma consulta inicial, o produto com inteligência artificial faria o trabalho: extrair números de outros softwares, como Quickbooks ou Xero, e depois descobrir como as transações deviam ser listadas ou organizadas. Em vez de declarações mensais, o software da ScaleFactor mostraria atualizações em tempo real em seu portal, de acordo com os materiais de vendas vistos pela Forbes.
Mas, na realidade, a ferramenta era defeituosa e não confiável para classificar as transações com precisão, então a companhia empregava uma equipe de contadores que, em vez disso, preenchia manualmente as finanças dos clientes ou corrigia erros do software, de acordo com funcionários que trabalharam na empresa e clientes. Para reforçar esse processo, a ScaleFactor contratou a The Outsourced Accountant, uma empresa offshore nas Filipinas, para ajudar. Mas não importava o local de trabalho, a tecnologia imprevisível continuava levando a erros nos livros de contabilidade dos clientes.
Depois de cancelar seu contrato em abril, Reinders, que reclamou online, contou que soube que um funcionário da ScaleFactor havia creditado incorretamente US$ 17 mil a um cliente de seu negócio de comércio eletrônico. Porém, quando o erro foi percebido, mais de seis meses após o fato, ela não conseguiu recuperar o montante porque o prazo havia expirado. “Tínhamos livros-caixa muito bons, claros e limpos quando os contratamos”, diz ela. (A empresa ofereceu um reembolso parcial de seu contrato anual de US$ 23 mil caso ela assinasse um acordo de confidencialidade que a impedisse de falar sobre sua experiência; ela não o fez.)
Agora que a empresa está fechando, outros clientes estão reavaliando os riscos de fazer negócios com uma startup que pode prometer demais e entregar de menos. Os proprietários de cafeterias de San Francisco, Cornelia e Robert Stang, estão contratando um novo contador para limpar meses de contabilidade errônea. “Quão difícil isso pode ser? Somos uma cafeteria”, disse Cornelia à ScaleFactor quando encerrou o contrato neste ano. “Se você não pode resolver o nosso problema, não pode resolver o de ninguém.”
A empresa se recusou a disponibilizar Rathmann para uma entrevista para este artigo e apenas respondeu a perguntas enviadas por e-mail: “O e-mail abaixo está preenchido com inúmeras imprecisões e deturpações factuais”, disse Rathman em comunicado enviado por um porta-voz. “Não tenho mais comentários.”
Os investidores Bessemer e Coatue, duas das empresas que lideraram as rodadas de financiamento, também se recusaram a comentar, enquanto a terceira, Canaan, não respondeu. (A Bessemer faz parceria com a Forbes em sua lista do Cloud 100.)
Rathmann, 33 anos, nasceu empreendedor. Enquanto seus amigos economizavam alguns centavos para os videogames, ele cortava grama para guardar dinheiro para seu primeiro negócio. Aos 17, era dono de uma empresa que instalava iluminação nas casas de Houston. Quando lançou a ScaleFactor, em 2014, trabalhava como auditor na KPMG e era CFO de uma pequena empresa de telecomunicações. Nessas funções, Rathmann viu em primeira mão uma evidente necessidade de tecnologia para ajudar pequenas empresas com seus serviços de contabilidade.
A ScaleFactor teve sua grande oportunidade em 2017, na Techstars Austin, um acelerador de startups, que foi coinvestidor em uma rodada de financiamento inicial de US$ 2,5 milhões. Em seguida, chamou a atenção de Michael Gilroy, associado da Canaan Partners (agora na Coatue). “Grandes produtos construídos por equipes que entendem que seus clientes ganharão com seus serviços”, escreveu Gilroy em julho de 2018, quando sua empresa liderou um investimento de US$ 10 milhões na empresa. “Estamos apenas começando na ScaleFactor.”
O negócio foi crescendo rapidamente e, seis meses depois, conseguiu US$ 30 milhões em uma rodada de financiamento liderada pelo parceiro da Bessemer, Byron Deeter, um importante investidor de computação em nuvem do Vale do Silício que já havia feito apostas em startups como Box, DocuSign e Twilio. (Ele também é sócio-fundador do Forbes Cloud 100.)
Apesar dos votos de confiança de investidores conhecidos, os clientes estavam descobrindo que a ScaleFactor não era o que parecia. Patrick Coddou, cujo negócio de comércio eletrônico pagou à ScaleFactor mais de US$ 10 mil, solicitou o cancelamento em abril de 2019, depois que suas declarações, que deveriam ser entregues em tempo real, foram enviadas mensalmente porque estavam sendo processadas manualmente. “Eles simplesmente não cumpriram a promessa”, diz.
Os potenciais investidores estavam chegando a conclusões semelhantes. Antes de mais uma rodada de financiamento, várias empresas de capital de risco desistiram do investimento, de acordo com pessoas familiarizadas com suas decisões, tendo determinado que a ScaleFactor era mais um negócio de serviços do que uma plataforma de software.
Durante esse tempo, um desses investidores em potencial descobriu que a ScaleFactor tinha uma equipe de atendimento ao cliente que, segundo eles, funcionava como “gerenciamento de contas”. Investigações posteriores revelaram que os funcionários eram contadores. “Portanto, o software pode parecer automatizado, mas eles realmente têm todas essas pessoas no back-end”, disse o potencial investidor.
O fato foi obscurecido ainda mais pela contabilidade criativa da empresa: em vez de incluir no orçamento a equipe de atendimento ao cliente em “custo dos produtos vendidos”, a ScaleFactor listava gastos relacionados em uma categoria separada, obscurecendo o valor real gasto na manutenção do produto, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o negócio.
No final, o esquema inteiro era um mecanismo de fluxo de trabalho interno, ou “uma lista de tarefas orientadas” para os funcionários que fechavam a contabilidade de um cliente.
Mesmo em meio ao surgimento de dúvidas sobre o produto, a ScaleFactor conseguiu uma rodada de financiamento de US$ 60 milhões no início de junho de 2019. Coatue Management, um grande investidor em tecnologia que supervisiona US$ 16 bilhões em ativos, liderou a nova rodada, acompanhado por Bessemer, Canaan e outros.
Em uma reunião para anunciar o financiamento iminente aos funcionários, o então diretor de receita da ScaleFactor, David Loia, disse à equipe de vendas que, se pudessem vender US$ 800 mil em novas reservas para o mês de junho, a ScaleFactor dobraria os bônus da equipe, afirmam vários funcionários. (Loia se recusou a comentar.) “Esta é a chance de uma vida”, dizia Loia, segundo uma fonte que participou da reunião. “Nenhum acordo está fora de questão.”
Embora a empresa estivesse sob disposições de confidencialidade, o que a impedia de discutir a rodada de financiamento fora da companhia, Robert Stang, o dono da cafeteria, diz que recebeu um desconto por conta da meta de vendas estipulada antes de uma iminente rodada de financiamento da série C. “Isso lhes deu um impulso para as vendas”, lembrou Stang sobre a fala de um funcionário da ScaleFactor. Ele assinou o contrato de US$ 6.000 em 18 de junho, para garantir o desconto, apesar de sua primeira conta não ter vencido até outubro, de acordo com uma cópia vista pela Forbes.
Alguns clientes receberam descontos em troca de uma referência; outros foram cadastrados sem informações de cobrança, dizem ex-funcionários de vendas. No final do mês, a equipe foi informada de que a meta havia sido atingida. A empresa comemorou dando a eles uma festa em uma fábrica de artesanato em East Austin, onde os funcionários tiraram fotos com cheques de bônus ultra-grandes.
Mas, algumas semanas depois, a equipe de vendas descobriu que, afinal, não receberia bônus: algumas das transações eram ilegítimas e a meta não havia sido atingida. A ScaleFactor conseguiu o financiamento de qualquer maneira, em uma rodada que avaliou a empresa em US$ 360 milhões.
À medida que a empresa tentava conquistar novos clientes, os já existentes exigiam reembolsos. A saída só aumentou após o encerramento da rodada de financiamento.
David Rathmann, irmão do CEO, contratado em abril de 2019, realizava reuniões semanais chamadas “Churn Desk”, em que as solicitações de cancelamento eram priorizadas em vez de processadas imediatamente; se um cliente ameaçasse reclamar nas mídias sociais, o pedido seria liberado mais rapidamente, por exemplo. Isso teve o efeito de atrasar a exibição dos números reais de rotatividade nos dados da companhia, que foram usados ​​nas apresentações. O verdadeiro número de atrasos de cancelamentos pendentes e solicitações de cancelamento foi registrado em uma planilha privada do Google, dizem quatro pessoas que compareceram às reuniões. (A ScaleFactor não disponibilizou Rathmann para comentar sobre o assunto.)
Executivos, incluindo Kurt Rathmann, ficaram surpresos durante uma reunião semanal diferenciada que ocorreu em outubro de 2019, quando um funcionário responsável pelo rastreamento de rotatividade mostrou que cerca de US$ 600 mil em receita recorrente anual corriam o risco de serem perdidos –em parte devido a clientes indicando ou solicitando o cancelamento. Um limite informal no valor dos contratos que poderiam ser cancelados durante as reuniões foi então imposto na tentativa de retardar a saída.
Em janeiro de 2020, Kurt Rathmann convocou uma reunião com todas as equipes para anunciar que a companhia passaria para um modelo de mercado que conectava os contadores tradicionais com seus clientes. Cerca de 40 funcionários, a maioria contadores, foram demitidos quando o novo projeto foi anunciado em fevereiro como ScaleFactor “2.020”.
A Covid-19 varreu os Estados Unidos no mês seguinte e os clientes existentes não estavam mais comprando; Robert e Cornelia Stang recusaram o negócio após serem informados de que o contrato saltaria de US$ 500 por mês para US$ 1.700. Na primavera, os investidores discutiram o futuro da empresa antes de decidir fechar as operações, de acordo com uma pessoa com conhecimento das discussões.
No mês passado, no final de tudo, Kurt Rathmann se explicou à Forbes dizendo que os clientes estavam desejando uma pessoa em vez de um computador para fazer suas contas. “Nós realmente pensamos que poderíamos automatizar todo o back office de uma pequena empresa”, disse Rathmann. Uma meta elevada que mais dinheiro não poderia alcançar.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Coronavírus: Recomendações sobre cálculo de perdas esperadas de ativos financeiros

Notícias da CVM em 16/04/2020
Fonte: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2020/20200416-2.html

Áreas técnicas da CVM orientam Diretores de Relações com Investidores e auditores independentes


As Superintendências de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC) e de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgam hoje, 16/4/2020, o Ofício Circular CVM/SNC/SEP 3/20 com orientação quanto aos impactos das medidas de enfrentamento à Covid-19 (coronavírus) no cálculo de perdas esperadas de ativos financeiros. O documento traz recomendações para Diretores de Relações com Investidores e auditores independentes.


As áreas técnicas da CVM entendem que a identificação da ocorrência, ou não, do aumento significativo no risco de crédito de um instrumento financeiro demanda uma avaliação abrangente de um conjunto de aspectos quantitativos e qualitativos do crédito que permita inferir, de forma prudente, mudanças no padrão de risco para a vida toda do instrumento.


Nesse contexto, em linha com as orientações de outros reguladores, a SNC e a SEP esclarecem que o diferimento do prazo para pagamento de parcelas vincendas (moratória), no âmbito das medidas anticíclicas adotadas no enfrentamento à Covid-19, por si só, não é suficiente para desencadear a alteração do modelo de cálculo de perda esperada.


“A Deliberação 763, que aprovou o CPC 48 (IFRS 9), não prevê qualquer mecanicidade ou automatismo sobre como fatores contextuais (diferimento, prorrogação, suspensão temporária de pagamento etc.) devem impactar o provisionamento para perda de créditos. Dada a escassez de informações disponíveis e confiáveis no atual cenário, é compreensível que os emissores enfrentem problemas na realização de estimativas econômicas razoáveis de curto prazo”, comentou o Superintendente da SNC, Paulo Roberto Gonçalves Ferreira.


Adicionalmente, as áreas técnicas da CVM ressaltam a necessidade de que sejam providas qualquer informação adicional que permita aos usuários das demonstrações financeiras avaliarem o impacto da Covid-19 na posição financeira e na performance da entidade que reporta.


“Com relação aos efeitos do coronavírus, a CVM segue verificando se os emissores vêm cumprindo com seu dever de divulgar informações úteis à avaliação dos valores mobiliários por eles emitidos”, completou o Superintendente de Relações com Empresas, Fernando Soares Vieira.