sábado, 25 de agosto de 2012

Capitalização de perdas cambiais como custo de empréstimo


O Pronunciamento Técnico CPC 20 – Custos de Empréstimos trata da capitalização de custos de empréstimos que são diretamente atribuíveis à aquisição de certos ativos que levam um período substancial para ficar pronto para seu uso ou venda, por exemplo, ativo imobilizado.

Os custos de empréstimos, nos termos deste CPC incluem:
  • Encargos financeiros, em geral que compõe a taxa efetiva de juros, tal como definido no CPC 38 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração.
  • Encargos financeiros relativos aos arrendamentos mercantis financeiros.
  • Variações cambiais decorrentes de empréstimos em moeda estrangeira à medida que elas são consideradas como ajustes do custo dos juros.
No Brasil, desde que deixamos de ser uma economia hiperinflacionária e adotamos um sistema de câmbio livre, as taxas de câmbio passaram a se comportar como em outros países de economia estável, com valorizações e desvalorizações, baseados nos diversos fatores da economia que determinam a paridade cambial da moeda de dois países.

Estamos acostumados a tratar a variação cambial sobre ativos como receita financeira e a variação cambial sobre passivos como despesa financeira. O ponto é que a variação cambial não representa em essência remuneração de um ativo ou passivo. Os ganhos e perdas cambiais não devem ser confundidos com as despesas e receitas financeiras.

Exemplificando, a variação da taxa do US$ para o ano de 2009 no Brasil foi de depreciação do US$ em 25% em relação ao real. Vamos considerar uma empresa brasileira que tomou um empréstimo para um projeto de expansão de uma linha de produção em 2008, que passou o ano de 2009 com a obra em andamento e o empréstimo em aberto. Esta empresa reconheceu um ganho cambial de 25% do total da dívida no início do ano. Como pode um “ganho” ser despesa financeira? Isso somente seria possível se as taxas de juros em US$ fossem muito superiores à taxa de juros em reais.

Na época em que tínhamos a hiperinflação no Brasil chegamos a ter situações de receitas ou despesas financeiras “viradas”. Isto porque as taxas de juros não foram suficientes para cobrir nem mesmo a inflação. Com empréstimos em moeda estrangeira é diferente. A variação cambial claramente não é parte da remuneração do dinheiro emprestado, somente os juros, ajustados por eventuais outras receitas, tais como decorrentes de taxas de abertura de crédito, descontos e outros custos que eventualmente ajustam a chamada taxa efetiva de juros. Mas, de fato, conceitualmente, há um componente de juros da definição da paridade cambial entre a moeda de dois países.

Por outro lado, tanto o CPC 20 quanto a norma internacional equivalente, o IAS 23 – Borrowing Costs, requerem a capitalização de variação cambial relacionadas com empréstimos que seja considerada como ajuste à taxa de juros do empréstimo. O ponto aqui é determinar qual “a parte da variação cambial que é ajuste à taxa de juros”. Os ganhos e perdas cambiais que são considerados como ajustes aos custos de um empréstimo incluem, em essência, a diferença entre os custos de um empréstimo que uma empresa teria incorrido se o tivesse tomado em reais, e o custos que a empresa incorre por tê-lo tomado, por exemplo, em US$, na data da contratação do empréstimo. O difícil é identificar a parcela de juros embutida na variação cambial projetada. Como exemplo de diferenças que não podem ser consideradas como ajustes à taxa de juros, citamos os aumentos e reduções nas taxas de câmbio que são decorrentes de mudanças em outros fatores econômicos tais como índices de desemprego, de produtividade, mudanças no governo de um país, políticas cambiais e monetárias, nível de reservas e outros. Por exemplo, a taxa do US$ no segundo semestre de 2008 chegou a variar 47%, decorrente principalmente da crise nos mercados financeiros internacionais. Não pode ser parte da taxa de juros, até pelo tamanho da variação.

O CPC 20 e o IAS 23 não descrevem qual o método que uma empresa deve utilizar para estimar o montante dos ganhos e perdas cambiais que podem ser considerados como parte dos custos de um empréstimo, como definido nestes pronunciamentos.

Os seguintes dois métodos foram considerados pelo Comitê de Interpretações de Relatórios Financeiros Internacional (IFRIC) em recentes discussões, para determinar a parcela de juros embutida na variação cambial:
  • Baseada na taxa futura de câmbio no momento em que o empréstimo é originalmente tomado.
  • Baseada na taxa de juros para empréstimos similares em reais, na data em que o empréstimo é originalmente tomado.
A administração precisa usar seu julgamento para avaliar a parcela da variação cambial capitalizável. Ela pode, até mesmo, concluir que não considera que a variação cambial tenha um componente de juros, que deva fazer parte do custo de um empréstimo. Nesse caso, não há que se falar em capitalização de variação cambial. Por outro lado, para aqueles que entendem que há sim um componente de juros, o método usado é uma escolha de prática contábil e, portanto, deve ser aplicado de forma consistente nos exercícios. Abaixo exemplificamos os cálculos do custo do empréstimo, considerando a segunda opção, que tem sido, na prática, a mais comum e mais fácil:

Exemplo

A Companhia ABC, com sede em Lagoa Santa, MG, tomou empréstimo em 1º. de janeiro de 2010 no valor de US$ 1.000.000. A taxa de juros é de 6% e é paga anualmente. Tivesse a companhia, naquela mesma ocasião, tomado o empréstimo em R$, a taxa de juros seria de 8%. A taxa de câmbio na data do empréstimo era de R$ 1,74, e no final do primeiro e do segundo trimestre de 2010 era de R$ 1,78 e R$ 1,77 (taxa hipotética exemplificativa), respectivamente.





Em nosso exemplo, nós escolhemos uma taxa menor para o encerramento de 30/06/10 para provocar a discussão, e esclarecer que entendemos que existe dois métodos que a administração pode utilizar para efetuar os cálculos:

(a) considerando os períodos individualmente; ou
(b) considerando os períodos acumulados

Observe que, em nosso exemplo, se a administração utilizar o método do período acumulado, a parcela da perda cambial a capitalizar é de R$ 16.500 (R$ 8.100 no 1º. trimestre e R$ 8.400 no segundo trimestre). Se optar pelo método dos períodos individuais, a perda cambial capitalizável será de R$ 8.100 (R$ 8.100 no 1º. trimestre e zero no segundo trimestre, uma vez que houve ganho cambial).

Qualquer que seja o método utilizado pela administração, ela deve deixá-lo claro nas notas explicativas sobre práticas contábeis e aplicá-lo de forma consistente.


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