Na linha de frente do combate à inadimplência fiscal na distribuição e revenda de etanol hidratado, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Ceará e Bahia - por meio, sobretudo, de parcerias entre suas secretarias de Fazenda e a ANP - vêm pondo em prática medidas como a exigência de recolhimento do imposto antes das operações de compra e venda, aumento da fiscalização em postos revendedores e usinas, e credenciamento de distribuidoras. Se não resolve o problema em definitivo, o cerco tem conseguido coibir até mesmo práticas sofisticadas criadas para burlar o fisco.
Uma delas é a "barriga de aluguel" - distribuidoras constituídas para acumular débitos fiscais que não possuem patrimônio e que por isso dificilmente são pegas pelas autoridades. De acordo com a ANP, o golpe é um dos grandes responsáveis por um rombo no fisco equivalente a R$ 1 bilhão por ano devido à comercialização irregular do combustível - valor que, segundo fontes da área de distribuição, seria ainda maior.
Além do cerco das secretarias estaduais de Fazenda, estão sendo analisadas novas medidas no âmbito do GT 05 - grupo de trabalho cujo objetivo é assessorar o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) no aperfeiçoamento da legislação do ICMS que alberga as operações com combustíveis. Entre as medidas estão a implantação de medidores fiscais em usinas e postos; o recadastramento de distribuidoras e postos na ANP; a tributação de operações com etanol destinado a outros fins e de solventes; e a formalização de convênio entre as secretarias e a agência para facilitar a troca de informações relativas às operações de entrada e saída do etanol hidratado de usinas, hoje dificultada pela exigência de sigilo fiscal.
Ainda está em apreciação no Confaz proposta de convênio de colaboração e troca de informações entre Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ANP e secretarias estaduais de Fazenda. A ideia é aproveitar a complementaridade das atribuições da ANP e do Mapa, que podem intervir, respectivamente, na comercialização e na produção do etanol hidratado.
Individualmente as secretarias de Fazenda também estudam novas medidas de combate à sonegação. Em Santa Catarina está prevista a implantação do Sistema de Monitoramento Volumétrico de Combustíveis (SMVC), que vai permitir conhecer o volume de líquidos que passou pelo controle do fisco em intervalos de tempo regulados. Essas informações serão transmitidas ao banco de dados da secretaria, para que sejam, então, cruzadas com o volume registrado nos documentos de arrecadação (DARE e GNRE), nos quais constam os pagamentos do ICMS relativos ao etanol hidratado.
Mais ICMS
Se em Santa Catarina a arrecadação de ICMS sobre a comercialização do etanol hidratado subiu de R$ 20,4 milhões em janeiro do ano passado para R$ 25,8 milhões em julho do mesmo ano, as ações já feitas em São Paulo geraram aumento de arrecadação no setor sucroalcooleiro de 77% e de mais de 1.300% nas distribuidoras não credenciadas pela Sefaz-SP.
As medidas para mitigar a comercialização irregular do etanol hidratado no estado foram possibilitadas pelo Decreto 54.976, de outubro de 2009, que previu a alteração do Regulamento do ICMS, com a tributação da cana-de-açúcar na entrada da usina e o recolhimento do ICMS a cada nota fiscal emitida.
Em contrapartida, todas as usinas previamente credenciadas pela secretaria são dispensadas de recolher ICMS simultaneamente à entrada de cana em seu estabelecimento.
MG arrecada mais 182%
Tendo iniciado as operações para coibir práticas irregulares na comercialização de combustíveis em 2003, a Sefaz-GO aumentou o volume de arrecadação de ICMS em mais de 260%, passando de 60 milhões/mês naquele ano para 160 milhões mensais em 2010. "O etanol foi o combustível que apresentou maior aumento de arrecadação", frisa o gerente de Combustíveis da secretaria, Maurício Costa, que atribui boa parte do sucesso ao uso da nota fiscal eletrônica, que permitiu o registro de entrada e saída do combustível nas distribuidoras.
Costa diz que a secretaria dispõe de três equipes de campo, que fazem visitas semanais às usinas; de um fiscal para cada um dos seis pools de distribuidoras do estado; e de uma equipe que faz o acompanhamento dos postos, exigindo a provisão de informes mensais sobre a venda do combustível.
Em Minas Gerais, a Sefaz vem se destacando nesse tipo de operação em função da parceria com ANP, outras secretarias estaduais de Fazenda, Receita Federal e Mapa, por meio do Comitê de Combate à Sonegação Fiscal no Comércio de Etanol. Além disso, há acordos com órgãos como Ministério Público Estadual e polícias Militar, Civil e Rodoviária, que possibilitam a apreensão de combustível sem documentação fiscal até mesmo nas estradas. Nessas ocasiões, a secretaria conta ainda com o apoio do Procon, que viabiliza o perdimento da mercadoria, no caso de não identificação da sua origem.
Com isso, entre 2007, quando foram iniciadas as operações no estado, e 2009, a receita estimada de ICMS relativo à comercialização de etanol hidratado aumentou 182,73%, passando de R$ 280 milhões para R$ 506 milhões. Mesmo com esse significativo aumento, estão sendo promovidos estudos para o uso de novas metodologias e ferramentas de controle fiscal no setor, como a adoção de mecanismos de medição do volume de entrada de combustível em tanques de postos e em saídas de usinas, além do investimento em capacitação de auditores fiscais.
Providências jurídicas
No Nordeste, as medidas tomadas pelas secretarias de Fazenda da Bahia e do Ceará vêm da mesma forma surtindo efeito. Na Bahia, foram estabelecidas parcerias visando dificultar ações na Justiça por parte de empresas acusadas.
A Sefaz-BA propôs ainda a alteração da Lei 7.014/96, sugerindo responsabilidade solidária dos postos e inaptidão de distribuidores com passivo tributário inscrito em dívida ativa maior que o capital social. De acordo com a secretaria, a arrecadação do ICMS relativo às operações com etanol hidratado foi elevada em 57,69% entre 2008 e 2009, quando foram recolhidos R$ 104 milhões e R$ 162 milhões, respectivamente. Até outubro de 2010, foram arrecadados R$ 122 milhões.
No Ceará, as vendas declaradas de etanol hidratado aumentaram 330% entre 2005 e 2009, segundo o auditor fiscal da Sefaz-CE, Fernando Damasceno, que atribui a evolução ao aumento da fiscalização nos postos. Em 2005, a secretaria implantou projeto de acompanhamento do setor de combustíveis que prevê a fiscalização sistemática dos postos - incluindo visitas até três vezes por semana, em alguns casos -, para observar entrada e saída do combustível.
2,5 bilhões de litros fraudados
O fato de o etanol ser uma espécie de commodity, com pouca margem de ganho, é um dos fatores que explicam os altos níveis de inadimplência no comércio desse combustível, explica César Guimarães, diretor de Concorrência do Sindicom. "O álcool é o combustível com maior número de fraudes, que são feitas para que a empresa capture parte da tributação. E como as margens são pequenas, uma carga tributária de R$ 0,30 vale muitas vezes mais que o lucro com a venda do produto", afirma.
O Sindicom estima que o mercado real de etanol hidratado envolva algo como 18,5 bilhões de litros, 2,5 bilhões de litros a mais que o registrado pela ANP. "Essa diferença corresponde ao montante comercializado sem nota, ou irregularmente. E dos 6,6 bilhões comercializados pelas mais de 100 empresas que não são do Sindicom, cerca de 50% não pagaram todos os impostos", alerta.
Ele acha questionável o fato de, apesar de as distribuidoras associadas ao Sindicom (BR, Shell, Cosan, Ipiranga, Air BP e Ale) terem 83% do mercado de diesel e 75% do de gasolina, a fatia caia para 60% no mercado de etanol hidratado. "Nossa participação vai diminuindo à medida que o combustível fica mais fácil de ser fraudado", comenta.
Também preocupado com os danos à concorrência, Ricardo Menezes, vice-presidente e diretor Institucional do Sindicato das Distribuidoras Regionais Brasileiras de Combustíveis (Brasilcom), que reúne 25 empresas de 14 estados, afirma que as ações de fiscalização promovidas por secretarias de Fazenda, ANP e outros agentes públicos contam com o apoio do sindicato e suas afiliadas. "Muitas de nossas distribuidoras, inclusive, fazem parte de comitês e grupos de discussão sobre a qualidade dos combustíveis em caráter nacional e regional, com agentes reguladores e fiscalizadores", garante.
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