sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Compras nas mãos dos minoritários

CVM decide no caso da Tractebel que controlador não pode votar contratos entre empresas do mesmo grupo que forem para assembleia.


Por Graziella Valenti | De São Paulo
15/10/2010

A Tractebel é protagonista de uma decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, a partir de agora, colocará nas mãos dos minoritários contratos fechados entre empresas abertas e seus controladores ou companhias do mesmo grupo.

O entendimento do colegiado da autarquia, a mais alta instância decisória do regulador, sobre um negócio planejado pela empresa de energia modificou a visão histórica desse órgão sobre situações de conflito de interesse - em geral transações em que o controlador ou um outro acionista está nas duas pontas.

A CVM entendeu que em operações desse tipo o controlador não pode votar na assembleia em que o contrato for levado à aprovação dos acionistas. Normalmente, as operações submetidas ao crivo da assembleia são as aquisições, porque assim determina a Lei das Sociedades por Ações. Portanto, caberá apenas aos minoritários aceitar ou rejeitar tais transações.

A justificativa principal para isso é que o controlador que é tanto vendedor de um ativo, por um lado, como comprador, por outro, está numa situação de conflito de interesses, que pode potencialmente interferir na análise imparcial do negócio.

A discussão com a Tractebel que levou à decisão da CVM começou ainda em dezembro do ano passado, quando o conselho de administração da empresa aprovou a compra da Suez Energia Renovável (SER), uma companhia pertencente à própria controladora GDF Suez Energy Latin America. A assembleia sobre a operação está marcada para o dia 19 (leia mais sobre o caso na página D5).

O valor do negócio é de R$ 604,4 milhões. Como se trata de uma compra relevante, por determinação da Lei das Sociedades por Ações, deve passar pelo crivo dos acionistas em assembleia.

O relator da decisão na CVM foi o diretor Alexsandro Broedel. Também votaram pelo bloqueio do voto do controlador os diretores Marcos Pinto e Otávio Yazbek, além da presidente Maria Helena Santana. Apenas o diretor Eli Loria foi favorável à permissão do voto do controlador. Não foi, portanto, uma decisão unânime, mas contou com quatro votos contra um.

Antes de o assunto passar pelo colegiado, a área técnica da autarquia já havia manifestado o mesmo entendimento da maioria dos diretores.

A permissão ou não do voto do controlador para negócios em que ele esteja em ambas as pontas é assunto historicamente controverso no direito societário e mesmo dentro da própria autarquia. A discussão diz respeito às diferentes interpretações para o artigo 115 da Lei das S.A.

A legislação prevê nesse artigo que um acionista - controlador ou minoritário - não poderá votar nas assembleias relativas a qualquer tema que possa beneficiá-lo de modo particular ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

Até então, predominava na CVM o entendimento defendido por especialistas como Erasmo Valadão de que o voto não deve ser suspenso de antemão, pois só é possível verificar se existiu um conflito após a aprovação do negócio e a verificação de um prejuízo. Caso ficasse provado o dano, o voto e a decisão poderiam ser anulados. Eram seguidores dessa corrente o ex-presidente da autarquia Luiz Leonardo Cantidiano e do ex-diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos. Norma Parente, que atuou ao lado desses profissionais, era voz discordante dessa visão.

Essa interpretação foi utilizada em casos como de um contrato firmado entre CTMR e Tele Centro Sul, em 2001, ambas empresas do grupo TIM; na avaliação sobre a permissão de voto dos fundos de pensão Previ e Sistel em 2002 na aprovação de contratos entre a Telemar e suas controladas, antes da reestruturação; e ainda, em 2004, na análise sobre a incorporação da Labatt no processo de compra da Ambev pela Interbrew, via permuta de ações.

A visão que prevaleceu no colegiado da CVM no caso da Tractebel - e que modifica a jurisprudência sobre esse tipo de operação - conta com o entendimento de nomes como de Modesto Carvalhosa, Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão.

Nos argumentos dos diretores e do próprio relator do caso, um dos principais pontos é que a lei não falaria em proibição de voto se não fosse possível verificar a existência de um conflito antes da comprovação do prejuízo.

Entretanto, eles deixam claro que a existência de conflito não significa sempre uma má conduta. Esclarecem ainda que não há proibição para operações entre companhias do mesmo grupo - essas apenas devem ser cercadas de cuidados de governança e garantir o melhor interesse da empresa.

O caso da Tractebel avaliado pela autarquia diz respeito apenas às operações que devem ser submetidas à assembleia, pois trata de uma compra de companhia (no caso, a SER). Quem define se o tema deve ser alvo de avaliação dos acionistas é a Lei das S.A. O colegiado apenas entendeu que o voto do controlador está suspenso nas situações em que pode haver conflito de interesses.

Entretanto, essa decisão também poderá ser utilizada como referência para o comportamento dos administradores quando forem avaliar outros tipos de contratos entre empresas do mesmo grupo, que não dependam da assembleia - em que o minoritário não pode ser consultado, portanto.

A CVM vem buscando formas de fazer com que as companhias legitimem negócios e operações que envolvam conflito de interesses. A argumentação do colegiado sobre a operação da Tractebel está alinhada a decisões anteriores, para situações análogas, como incorporações de controladas.


Fonte: Valor Econômico

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