O dilema do longo prazo na remuneração dos executivos
Os planos de opções de ações surgiram para que executivos pensem no futuro da empresa, não só nos resultados imediatos. Mas não há plano que mude a cabeça dessa turma.
O risco do sucesso: a valorização de empresas como a Apple pode reduzir a propensão ao risco
Os programas de opções de ações nasceram há mais de 50 anos para resolver um daqueles problemas aparentemente insolúveis do mundo corporativo: a diferença de objetivos de acionistas e executivos. O maior interesse dos donos de uma empresa é seu crescimento no longo prazo. Os executivos, em teoria, são contratados para garantir que isso aconteça. Mas, na prática, têm incentivos para pensar basicamente em seus bônus anuais. As opções de ações teriam o poder de reduzir essa distância. Em vez de bônus anuais, os executivos ganham uma opção para comprar ações da companhia a um preço mais baixo no futuro. Até lá, trabalham para valorizar os papéis e lucrar com a diferença de cotação. Deixam de olhar apenas o curto prazo e se concentram no que interessa aos acionistas, que é o futuro do negócio. Pelo menos, era assim que se pensava. Mas um estudo da Universidade de Melbourne, publicado na HarvardBusiness Review (revista da escola de negócios da Universidade Harvard), revela que resolver as diferenças é mais difícil do que parecia.
Depois de coletar dados de 9 143 empresas nos Estados Unidos de 1996 a 2009, os economistas Geoffrey Martin, Luiz Gomes-Mejia e Robert Wiseman constataram que as opções podem atrapalhar em vez de ajudar. Planos de opções, apontam os autores, podem estimular a acomodação quando for hora de manter o pé no acelerador.
Ou, no outro extremo, incentivar riscos acima do tolerável. Os pesquisadores mostraram que, assim que recebem as opções de ações, quando precisam trabalhar pela valorização das ações, os executivos arriscam muito mais do que em outras situações. Eles querem, afinal, impulsionar o valor das ações quanto antes. Nessa fase, podem ser arrojados demais e colocar o negócio em risco. Mesmo que tudo dê certo e o valor das ações suba, as opções criam outro incentivo indesejado.
Quando os ganhos acumulados já são muito altos e os executivos estão perto de receber a recompensa, eles tendem a se acomodar e se tornam conservadores demais — a ideia é arriscar o mínimo possível para garantir que as ações sigam no mesmo patamar. Essa acomodação pode facilitar o avanço da concorrência. É o dilema que a multinacional GE, comandada por Jeff Immelt, já enfrenta. E é aonde a Apple está para chegar, de acordo com os cálculos dos pesquisadores.
Nos últimos dez anos, a empresa americana se tornou a mais valiosa do mundo, passando de um valor de mercado de 5 milhões para 572 bilhões de dólares. A expansão rendeu a diretores e a outros funcionários do alto escalão 172 bilhões de reais, entre bônus e opções de ações.
Com tanto dinheiro no bolso, é natural que eles se acomodem. “Os executivos pesam o que têm a ganhar contra o que têm a perder na hora de tomar decisões estratégicas”, diz Geoffrey Martin, um dos autores do estudo. “As empresas precisam levar isso em conta na hora de montar seus planos de remuneração.”
Essa discussão tem especial importância no Brasil porque, nos últimos dois anos, o volume de incentivos de longo prazo dobrou no país. De acordo com um levantamento da consultoria Hay Group, os diretores e presidentes das 1 000 maiores empresas brasileiras recebem, em média, 377 000 reais ao ano em planos de opções de ações.
Como amenizar o impacto dos incentivos tortos causados pelas opções de ações? É possível criar programas de remuneração mais refinados e que atenuem os problemas. São aqueles que mesclam opções de ações com ações pagas por desempenho e também bônus anuais em dinheiro.
A própria Apple oferece novos pacotes todos os anos, na esperança de que a bolada à frente seja sempre maior do que o dinheiro que já está na conta dos executivos — criando, assim, um incentivo para que seus executivos sigam arriscando quando poderiam colocar o burro na sombra. Em 2011, o presidente da empresa, Tim Cook, recebeu 378 milhões de dólares em ações — um novo recorde.
No Brasil, quatro em cada dez empresas já oferecem pacotes mistos. A fabricante de caixas-d’água e telhas Eternit mudou, em junho deste ano, seu plano de incentivo de longo prazo. Antes, para calcular o volume de ações oferecidas aos executivos, eram considerados a oscilação dos papéis na bolsa mais os dividendos.
Hoje, as principais métricas não levam em conta o desempenho na bolsa, apenas oresultado individual e o lucro. “É uma forma de manter o executivo motivado, sem se preocupar com quanto as ações valorizaram”, diz Élio Martins, presidente da Eternit.
Dinheiro vivo
Como o desempenho da bolsa não tem ajudado, é cada vez maior o número de empresas que decidem pagar seus incentivos em dinheiro vivo, em vez de ações. É o caso da concessionária de rodovias CCR, que oferece um prêmio de longo prazo atrelado à geração de caixa, ao valor de dividendos pagos aos acionistas e à cotação média das ações em determinado período do ano. Se os funcionários batem as metas nesses quesitos, recebem sua recompensa em dinheiro.
Em 2011, a parte de longo prazo do pacote de remuneração chegou a 6 milhões de reais para os nove principais executivos da empresa. Estratégias de remuneração mais sofisticadas, que agora são buscadas por centenas de empresas, são tradicionais no mercado financeiro.
Após a abertura de capital do banco BTG Pactual, em abril deste ano, os sete principais sócios receberam ações com base no valor patrimonial da instituição, e não em seu valor de mercado, como é o padrão. Além disso, o BTG estabelece metas individuais que os executivos têm de atingir todos os anos.
“Os sócios que não batem metas têm de ceder suas ações para quem teve melhor desempenho. Isso gera uma corrida e evita acomodação”, diz Roberto Salloutti, sócio do banco. É uma estratégia que pode atenuar a divergência. Até que surja a próxima tensão entre acionistas e executivos, um conflito que, aparentemente, não tem data para terminar.
Fonte: Exame. No 46 (31/10/2012)
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