Extraído do valor econômico (26/04/2011)
Embora esteja oficialmente atrasado, o processo de convergência para um padrão único de contabilidade mundial que inclua os Estados Unidos ganhou força nos últimos dias. O Conselho de Normas de Contabilidade Financeira (Fasb, na sigla em inglês), órgão que regula as normas contábeis americanas, conhecidas como US Gaap, desistiu da proposta de usar o método do valor justo de forma tão generalizada como havia sugerido em maio do ano passado para os instrumentos financeiros.
Depois de ter recebido diversas críticas de participantes do mercado, o Fasb decidiu caminhar para um modelo que amplia o uso do valor justo com efeito no resultado, mas nem tanto. Nessa nova abordagem, empréstimos e recebíveis, por exemplo, devem permanecer com registro pelo custo amortizado.
A decisão, esperada por alguns especialistas, se tornou oficial com a publicação de um documento conjunto do Fasb e do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), órgão responsável pelo padrão internacional IFRS, na semana passada, durante o feriado aqui no Brasil.
A proposta levada a audiência pública pelo Fasb em maio de 2010 previa o registro de quase todos os ativos e passivos financeiros ao valor de mercado, o que praticamente inviabilizava a existência de um ponto comum com o pronunciamento já definitivo que havia sido publicado pelo Iasb em novembro de 2009. Chamada de IFRS 9, essa norma já é usada em alguns países e prevê a possibilidade de valor justo ou custo amortizado, conforme o modelo de negócios da empresa.
A sinalização do Fasb de que está disposto a mudar sua abordagem para a contabilidade dos instrumentos financeiros facilita o processo para que o US Gaap se aproxime do IFRS, num processo que pode culminar com a incorporação do modelo americano pelo padrão internacional.
A Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais dos EUA, deve anunciar ainda neste ano se opta ou não pelo uso do IFRS pelas empresas americanas - uma vez que ele já é permitido para as estrangeiras que têm ações negociadas naquele mercado. A comissão acaba de marcar para 7 de julho uma nova rodada debates sobre o assunto.
Pesquisa da regional americana da Grant Thornton Internacional com 516 diretores financeiros de empresas dos EUA mostra que a maioria deles não tem pressa para mudar a contabilidade. Do total, 49% defendem que o IFRS seja adotado somente daqui a cinco ou sete anos, quando uma aproximação gradual entre o padrão americano atual e o internacional permitir uma migração sem grandes consequências. Para 27%, o IFRS não deve ser adotado, mas medidas de aproximação entre os dois padrões devem ser tomadas. O percentual é maior do que os 24% que defendem adoção do IFRS de forma mais rápida, no prazo de dois a cinco anos. Dezenove a cada cem dessas empresas já preparam balanços em IFRS.
Parte da resistência à adoção ao padrão internacional se explica pela insatisfação dos executivos americanos com a determinação de regras por um órgão internacional. Conforme a pesquisa, 57% dos entrevistados preferem que os normativos sejam ditados por um órgão independente, como o Fasb, mas que seja supervisionado pela autoridade local - no caso, a SEC. Apenas 19% disseram que as regras devem vir de entidades internacionais independentes, como o Iasb.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula a contabilidade das companhias abertas não financeiras, tem adotado na íntegra as normas de uso obrigatório editadas pelo Iasb. Mas o mesmo não ocorreu com o Banco Central, que mantém regras próprias para a contabilidade das instituições financeiras, embora tenha pedido a publicação adicional de um demonstrativo financeiro consolidado em IFRS.
A nova regulamentação do Fasb, que deve vir a público no terceiro trimestre, deve prever três classes de instrumentos financeiros. Aqueles da carteira de negociação e os ativos "disponíveis para venda" seriam registrados pelo valor justo, com a variação de preço afetando o resultado líquido da entidade.
Pela contabilidade atual, as variações na carteira classificada como "disponível para venda" afetam apenas o patrimônio. No novo modelo, variações de valor de mercado com efeito no patrimônio - e não no resultado - passariam a restritas para alguns tipos de ativo, como aqueles ligados a operações de hedge.
Haveria ainda ativos que seriam registrados pelo custo amortizado, como empréstimos e recebíveis, com testes recuperabilidade reforçados e também divulgação maior sobre o valor justo desses ativos, seja nas notas explicativas ou de outra forma.
O documento conjunto diz ainda que, após a decisão final do Fasb sobre o assunto, a conclusão será levada para discussão dentro do Iasb. Não fica claro, entretanto, se o órgão internacional estaria disposto a rever o IFRS 9, já publicado e em uso por algumas jurisdições.
A assessoria do Iasb foi procurada ontem, mas não pôde responder por conta do feriado na Europa.
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