Fonte: Valor econômico
As chamadas "inconsistências contábeis" encontradas pelo Banco Central nos números do Panamericano envolvem, principalmente, contratos de cessão de crédito, operações de empréstimos e registro de bens executados por inadimplência.
Como todo o setor, o Panamericano faz cessão de carteiras a outras instituições e a fundos de investimento em direitos creditórios (Fidcs) para obter recursos. O problema é que o banco não baixava das carteiras cedidas os créditos liquidados antecipadamente e refinanciados.
Quando um cliente procurava o Panamericano para antecipar o pagamento de um crédito, o banco fazia a transação, mas não avisava a instituição detentora da carteira cedida. Dessa forma, o contrato cedido ficava sem lastro.
Ao mesmo tempo, como o cliente que fez a antecipação ficava com o limite de crédito restabelecido, o banco podia dar um novo empréstimo a esse cliente e, então, fazer uma nova cessão. Nesse caso, a cessão era para outra instituição ou Fidc, já que a primeira poderia não aceitar o contrato devido à sobreposição de CPFs.
A mesma prática era adotada pelo banco no caso de saldo devedor refinanciado, que era mantido na condição de cedido. Esse refinanciamento - uma espécie de novo contrato - também podia ser novamente cedido pelo banco.
Essas operações eram possíveis porque ao ceder carteira de crédito a outra instituição o banco continua com coobrigação, respondendo pela cobrança e inadimplência, por exemplo.
Outro erro nos registros do banco diz respeito às execuções de garantia de empréstimos. Quando o banco concede um financiamento gera um crédito no seu ativo. No caso de o credor não honrar com os pagamentos, a instituição toma o bem dado em garantia.
Nesse cenário, deve dar baixa no crédito e transferir o bem, pelo seu valor de mercado (na maioria das vezes, inferior ao do crédito), para uma conta no ativo chamada "bens não de uso próprio".
Como essa reclassificação não era feita pelo banco, o crédito continuava registrado pelo valor integral, enquanto deveria haver uma deterioração desse preço, pois o bem é algo que será vendido para gerar recursos à instituição a fim de cobrir parte da inadimplência.
A discussão sobre a contabilização da cessão da carteira assombra os auditores há anos. E, pela experiência com o Panamericano, a questão também pode virar um fantasma para os investidores. A instituição perdeu cerca de R$ 500 milhões de valor de mercado do dia para noite. Ontem, o banco valia pouco menos de R$ 1,2 bilhão na bolsa, menos da metade dos R$ 2,9 bilhões do começo de 2010.
Enquanto o BC não alinhar os padrões nacionais aos internacionais nessa questão, o fantasma continuará rondando os bancos médios nacionais, que tradicionalmente realizam essas operações.
Segundo levantamento realizado pelo Valor com oito bancos que costumam ceder carteiras de crédito - Panamericano, BMG, Cruzeiro do Sul, Mercantil do Brasil, Rural, Paraná Banco, Bonsucesso e Matone - há um estoque de R$ 18,4 bilhões em empréstimos que só apareceram nas notas explicativas dos balanços de 2009, ou 40% do total de crédito.
Há uma divergência de regras entre o BC, que regula o setor bancário, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dita as regras do mercado de capitais, sobre o registro da cessão de carteiras.
O BC permite que os bancos que cedem a carteira registrem o ganho imediato da transferência, eliminando os créditos do balanço, embora o risco continue sendo do banco que gerou as operações. Com isso, perde-se a transparência sobre inadimplência, já que a carteira está fora do balanço.
A opção contábil mais adequada, recomendada pela CVM, é a manutenção da carteira e a criação de um passivo correspondente (pela responsabilidade de transferência ao comprador dos recebíveis), para que os fluxos de recebimentos e pagamentos fossem visíveis no balanço. Assim, o ganho com a transferência é registrado ao longo do tempo e não de imediato. No caso do Panamericano, embora o banco mantivesse a carteira no balanço, o passivo não era registrado da forma adequada, segundo fontes.
O BC vai convergir para o padrão internacional usado pela CVM. Em agosto deste ano, porém, o órgão decidiu adiar pela terceira vez a convergência, que ficou para 2012.
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