Roberto Dumke
O pacote de mudanças de contabilidade que saiu este ano por meio da Lei
12.973/2014, com 119 artigos, ainda deve render muitas dores de cabeça
ao empresariado. Por mais que escritórios e consultorias especializadas
tenham organizado seminários internos e externos para divulgar as
mudanças, no mundo de negócios as novas regras geram preocupação e
dúvidas.
"Temos feito apresentações em empresas, em fundos de investimento. E todos ficam preocupados", diz Ana Campos, sócia da consultoria Grounds. Apesar de que muitas regras eram conhecidas por causa do Regime Tributário de Transição (RTT), que durou cinco anos, um grande volume de alterações ainda ocorre de forma abrupta. O regime buscava atenuar a adaptação ao padrão internacional de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês).
Por mais que em princípio as alterações sejam uma espécie de evolução - para melhor - do sistema usado no Brasil, ainda há muita insegurança. "Atendemos uma empresa que adotou as regras em 2008 [quando começou o RTT], mas que ainda têm dúvidas. Mesmo fazendo auditoria todos os anos", conta Ana Campos.
Parte dos problemas seria porque a nova lei abre espaço para interpretação. "A regra contábil é baseada no julgamento. Óbvio que se tenta resolver o maior número de questões, ela não inclui tudo."
A avaliação de Fábio Garcia, diretor de tributos da Baker Tilly Brasil, segue o mesmo raciocínio. "Ainda temos percebido bastante preocupação e uma certa desinformação. Por mais que o assunto tenha sido muito veiculado, os empresários ainda têm muitas dúvidas em relação a como essas normas impactam os negócios."
Para ele, por mais que não haja consenso em relação à interpretação da totalidade das regras, já haveria um entendimento pelo menos das principais alterações provenientes do pacote de mudanças. "O maior ponto é que uma análise individualizada é necessária para que se tenha um resultado claro de qual será o impacto da lei."
Garcia afirma que as mudanças poderiam ter sido feitas de forma mais gradual, mas diz que o modo abrupto não surpreende. "Como historicamente sempre tivemos mudanças abruptas, a postura do governo acaba por não surpreender."
Outra crítica seria em relação à abrangência da lei. Segundo ele, em tese, cada lei deveria tratar de um assunto principal - o que claramente não ocorre na 12.973. "O governo aproveita a boa vontade do Congresso para incluir o maior número de assuntos possíveis", diz Garcia.
Lucros no exterior
A medida provisória 627, que acabou dando origem à lei 12.973, desde o início foi rotulada como a medida que tratava da tributação dos lucros no exterior. O tópico, contudo, diz respeito a apenas uma parcela da legislação como um todo. "É uma parte relevante, mas há várias mudanças. Seria algo como 10% do total da norma. Quer dizer, ainda há outros 90%.", diz Garcia.
Ele afirma que antes o cálculo era feito "de forma vertical". Quer dizer, se um grupo brasileiro tinha uma empresa no exterior, que por sua vez detinha outras dez empresas, o imposto podia ser calculado com base apenas nos resultados da primeira. Hoje a apuração deve levar em conta o resultado de cada país de forma individual.
Para as empresas com operações no interior, a mudança pode ser prejudicial. Antes, podia-se concentrar a operação internacional num país com melhor tratado tributário em relação ao Brasil, o que evitaria problemas com dupla tributação. Além disso, lucros e prejuízos das subsidiárias poderiam ser anular, reduzindo o imposto a ser pago, afirma Garcia. Ajuste a valor presente
Outro exemplo de mudança com a nova lei é o chamado ajuste a valor presente na compra a prazo de um ativo imobilizado (máquinas, equipamentos, imóveis, estoque), segundo Ana Campos, sócia da Grounds. Quer dizer, na contabilidade da empresa, quando o bem é comprado a prazo, deve-se separar o valor verdadeiro deste bem dos juros do financiamento. A alteração teria potencial para afetar todas as empresas.
Antes, se a firma comprava um equipamento a prazo em dez parcelas de R$ 10 mil, por exemplo, a contabilidade da empresa trazia apenas que o ativo custou R$ 100 mil. Agora, é preciso dizer qual é o valor presente da máquina (R$ 95 mil, por exemplo) e quanto foi pago em juros do financiamento a prazo (R$ 5 mil). "Depois da lei 12.973, esta divisão precisa estar lá", afirma Ana Campos.
Se o ajuste da nova regra não for feito, diz ela, a empresa pode acabar pagando mais imposto de renda. Isso acontece porque o valor de depreciação do ativo imobilizado pode ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). E se a empresa não separar o valor presente dos juros em subconta contábil, perde o direito de deduzir a depreciação do montante pago em juros (R$ 5 mil, no exemplo anterior).