Não foi dessa vez que as incorporadoras imobiliárias tiveram uma resposta definitiva sobre como deve ser feito o reconhecimento de receita da venda de imóveis. O tema foi debatido na sexta-feira pelo comitê que interpreta as normas internacionais de contabilidade, conhecido como Ifric, mas ficou evidente que a solução não virá tão cedo.
Essa é uma das poucas pendências que restam sobre a adoção do padrão internacional de contabilidade, o IFRS, no Brasil, que passou a ser obrigatório ano passado.
Isso significa que, embora tenham encontrado uma solução para publicar os balanços referentes a 2010 sem ressalvas dos auditores, as incorporadoras seguirão com o risco de terem de mudar o modelo de reconhecimento de receita quando houver uma decisão futura dos órgãos internacionais responsáveis pelo padrão.
Pelo entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ao analisar os contratos de compra e venda de imóveis no Brasil, as incorporadoras brasileiras podem reconhecer a receita conforme o percentual de execução da obra, como já faziam até 2009. Mas a abordagem mais comum nos países que adotaram o IFRS, conforme as regras emitidas pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), é que esse registro só deve ser feito no momento da entrega das chaves.
A solução temporária encontrada no Brasil foi dizer que os balanços seguem o IFRS conforme aprovado pela CVM.
A pedido de agentes não apenas do Brasil, mas também de Cingapura, Coreia do Sul e outros países, os técnicos do comitê de interpretação do IFRS passaram 1 hora e 15 minutos da sexta-feira discutindo apenas se o tema de transferência contínua de controle nos contratos de incorporação imobiliária deveria entrar ou não oficialmente na agenda do órgão. E não chegaram a uma decisão final sobre isso, embora a maioria tenha indicado que é contra discutir o assunto. No fim, foi decidido que na reunião de maio do Ifric a inclusão do tema na agenda será debatida novamente.
O comitê que tira dúvidas sobre as regras IFRS está preocupado com interpretações regionais sobre a aplicação do padrão internacional de contabilidade, já que isso pode minar o plano de se ter um único padrão global de normas contábeis.
O tema é particularmente importante porque deve ter peso relevante na decisão da Securities and Exchange Commission (SEC) sobre a adoção do IFRS nos EUA. A SEC rejeita a ideia de adotar um padrão internacional que seja adaptado em cada país.
Ao mesmo tempo, o Ifric tem dúvidas se cabe ao órgão explicar em detalhes como deve ser feita a adoção de normas em casos específicos. O temor, nesse cenário, tem a ver com a base do IFRS, que é estar fundado em princípios e não em regras detalhadas. O Ifric também se recusa a entrar na discussão sobre como funcionam as leis de cada país, o que não estaria no seu escopo de trabalho.
Os técnicos mencionaram ainda o risco de se dar uma resposta aos países que têm dúvidas sobre o caso das incorporadoras, ao mesmo tempo em que o conselho do Iasb está discutindo, em conjunto com o Fasb, órgão que emite as normas contábeis nos EUA, um novo pronunciamento sobre reconhecimento de receita de forma geral.
Eles temem tomar uma decisão hoje que possa ser revertida pouco tempo depois com a edição de um novo pronunciamento mais abrangente.
Uma técnica do Iasb relatou, durante a reunião de sexta, em que ponto está a discussão sobre o novo pronunciamento de reconhecimento de receita. Por enquanto, ela diz que o foco está em avaliar quando o controle dos bens e serviços é transferido ao comprador. Ela diz que o princípio está bem definido no caso dos bens, mas nem tanto quando existe um serviço associado, ou quando existe apenas a prestação de um serviço.
Em relação à transferência contínua de controle, que é o objeto de discussão ligado às incorporadoras, estaria mantida a ideia de que ela existe quando o comprador consegue interferir nas características do produto durante sua confecção. Mas não há, por enquanto, nenhuma conclusão que sirva de apoio para o Ifric esclarecer as dúvidas de Brasil, Cingapura e Coreia.
Fonte: Fernando Torres, Valor Economico
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