No processo de implementação das
normas internacionais de contabilidade pelo Brasil, a partir das
alterações promovidas na legislação contábil em 2007/2008,
uma das grandes preocupações das empresas (talvez a maior) residia nos
efeitos tributários gerados pelo novo padrão de contabilidade. Em
resposta a essa preocupação, a própria Lei nº 11.638, de 2007, ao dar nova redação ao artigo 177, parágrafo
7º da Lei das Sociedades por Ações, estabeleceu a segregação das
informações contábeis: de um lado, para fins societários e, de outro,
para fins tributários; porém, a solução dada não agradou à Receita Federal do Brasil.
Assim, um ano depois, o mencionado dispositivo foi revogado, e, em seu
lugar, foi instituído o Regime Tributário de Transição (RTT), que passou a ser obrigatório para todas as empresas a partir de 2010.
O RTT tem como objetivo fundamental estabelecer a neutralidade
tributária com relação à adoção das normas internacionais de
contabilidade. O procedimento para concretizar essa neutralidade é, em
si, muito simples: consiste em serem revertidos todos os lançamentos
contábeis efetuados em observância aos Pronunciamentos Técnicos do
Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), para, com base em demonstrações contábeis elaboradas de acordo com as normas contábeis brasileiras vigentes em dezembro de 2007, partir-se para a apuração do lucro tributável – lucro real ou lucro presumido.
Para auxiliar as empresas nessa reversão de lançamentos e para assegurar o acesso à informação sobre isso à Receita Federal do Brasil (até para fins estatísticos), foi criado o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT), atualmente incorporado ao e-LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real eletrônico).
Se o procedimento do RTT é, por si e em si, conceitualmente simples, a
sua execução suscita diversas dúvidas. As complicações surgem com o
cuidado que as empresas devem ter para não desconsiderar, na apuração do
lucro real
(por exemplo) valores ainda tratados pela legislação tributária, mesmo
que tenham sido registrados de acordo com os Pronunciamentos do CPC,
como nos casos do impairment do ágio e da depreciação. Além disso, a
situação pode ficar ainda mais confusa em alguns setores em que não se
tem claro qual a base da distribuição de dividendos isentos: o lucro
contábil, apurado de acordo com as normas internacionais de
contabilidade, ou o lucro que serviu de base para o cálculo dos tributos
sobre o lucro.
Outro ponto de atenção a ser levantado diz respeito ao registro
contábil dos tributos sobre o lucro – Imposto sobre a Renda das Pessoas
Jurídicas (IRPJ)
e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – nos termos do
Pronunciamento Técnico CPC nº 32. Esse registro consiste em reconhecer
na contabilidade não só os tributos presentes (devidos no corrente ano),
mas também os tributos diferidos, que são reflexos de ajustes fiscais
passados ou futuros. Basicamente, os tributos diferidos são calculados
quando há diferença entre o valor contábil de ativo ou passivo no
balanço e a sua base fiscal, isto é, o valor atribuído àquele ativo ou
passivo para fins fiscais (item 5 do CPC 32).
E a questão do registro dos tributos diferidos é de extrema
importância porque ele está diretamente relacionado ao resultado do
exercício (lucro ou prejuízo), tomado como base para a distribuição de
dividendos. Vejam-se os seguintes exemplos: quando a empresa usufrui
determinado benefício fiscal que será revertido no futuro (depreciação
acelerada incentivada), ela deve reconhecer os tributos que deixou de
pagar agora, mas que deverá pagar no futuro, gerando passivo fiscal
diferido – em contrapartida, é registrada despesa correspondente aos
tributos sobre o lucro, que não é dedutível para fins tributários; por
outro lado, a empresa que possui saldo de prejuízo fiscal e, com a
perspectiva de geração de lucro, comprovar que irá aproveitá-lo em
breve, pode reconhecer contabilmente esse “crédito fiscal” (valor que,
por meio da compensação, diminuirá o lucro tributável), gerando ativo
fiscal diferido – e a correspondente receita não tributável. O impacto
nos dividendos, portanto, é direto, para menos ou para mais.
Considerando que o RTT consiste em expurgar o efeito
tributário de lançamentos contábeis, a diferença acima citada é
inevitável. Praticamente, quase todos os ajustes do FCONT
são base para tributo diferido, ativo ou passivo. E assim, mesmo com a
querida e buscada neutralidade, não se evitarão, por completo, os
reflexos tributários das novas normas contábeis.” (Fonte: Valor
Econômico, publicado em www.joseadriano.com.br)